Em 4 de janeiro de 2017, o vereador de Salvador Jorge Aleluia apresentou a PL nº 01/17, nomeada “Programa Escola Sem Partido”. Consta no projeto de lei, diversas barreiras para as ações das professoras e professores em sala de aula, diante disso a proposta foi apelidada de “lei da mordaça”.
No artº 3, que delimita as funções dos professores, afirma que “ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as PRINCIPAIS VERSÕES, TEORIAS, OPINIÕES e perspectivas concorrentes a respeito”. A partir dessa afirmação, é interessante deixar evidente que o simples fato de se limitar a palavra “principal” para a discussão já nos traz uma perspectiva perigosa e assustadora, vide que o educador não tem a obrigação de repercutir o senso comum e reforçar os estereótipos de uma sociedade racista, machista e LGBTTfóbica. É evidente de que as versões, teorias e opiniões que são consideradas como principais na história do país, é relacionada àquelas narrativas vinda de homens brancos, universitários e eurocêntricos. A partir disso, limitar o discurso do educadores às principais versões, teorias e opiniões é reforçar o epistemicidio, e o silenciamento de argumentos contra hegemônicos, que trazem novas narrativas para as salas de aula.
O epistemicídio é um fenômeno que age por meio da deslegitimação e desvalorização do conhecimento relacionado e produzido pela população negra, pela negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano ao patrimônio cultural da humanidade e pelo embranquecimento, a partir da imposição histórica e cultural. A partir disso, entendo que essa proposta de lei é um reforço ao epistemícidio por querer pautar a neutralidade a partir da hegemonia em um contexto educacional que pouco discute as produções da comunidade negra.
É necessário o entendimento de que o educador tem como função garantir a livre e democrática manifestação de diversas e diferentes versões sobre o mundo, a partir das construções e experiência de cada um, procurando ao máximo dialogar por uma sociedade com mais equidade e respeito. A partir disso, “a livre manifestação de pensamento” deve ser respeitada e endossada. O que o projeto de lei da mordaça traz para os professores, é o aprisionamento de idéias e novas construções para as escolas de Salvador.
Segundo a justificativa do vereador, essa proposta almeja “... buscar o verdadeiro ensino e ensinar de forma neutra...”. A perspectiva de neutralidade na justificativa não dialoga com o respeito ao pluralismo de idéias e as diversas formas de se lidar com a educação e a pedagogia, além disso esquece-se nesse projeto que as pessoas agem, são e pensam de formas diferentes e que impedir essas colocações e ações é pautada através do silenciamento e de uma perspectiva antidemocrática.
No início desta semana, a hashtag #meuprofessorracista se popularizou em redes sociais como o Facebook e o Twitter.
A mobilização virtual surgiu a partir de um episódio ocorrido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Em carta aberta, o coletivo Ocupação Preta relata que, durante uma discussão em aula, uma professora da faculdade teria abordado com chacota assuntos relacionados às relações raciais e Monteiro Lobato. A partir disso, a hashtag viralizou e diversos relatos de jovens que quando criança escutaram frases racistas dos professores e professores foram expostos, deixando claro que ações racistas é cotidiano nas escolas por ser algo estrutural que necessita de muitas lutas e resistência para ser superada. Diante disso é importante reiterar que o “Programa Escola Sem Partido” vem na função de fortalecer ações hegemônicas e enfraquecer as mobilizações a favor de uma sociedade mais democrática, respeitosa e menos racista.
